quinta-feira, 5 de julho de 2007

O Mito Atemporal da Caverna

por Pack Manning

Imaginemos um muro alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna se encontram seres humanos, vivendo sem nunca ter visto uns aos outros nem a si mesmos. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde apenas sombras e sons do que se passa do lado de fora são projetadas. Os prisioneiros julgam que essas sombras e sons são as próprias coisas externas. Essas pessoas tomam sombras por realidade.

Um dos prisioneiros decide abandonar essa condição e fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. Aos poucos vai se movendo e avança na direção do muro e o escala, com dificuldade enfrenta os obstáculos que encontra e sai da caverna. De início fica cego pela luminosidade do Sol, enche-se de dor pelos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque será obrigado a decidir onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo desejar a caverna onde tudo lhe era familiar e conhecido.

Mas o prisioneiro persiste e permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Não podendo evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros, toma a decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também. Neste retorno, os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teimar em afirmar o que viu e os convidar a sair da caverna, certamente acabarão por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderão ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidirão sair da caverna rumo à realidade

  • O que é a caverna? O mundo de aparências em que vivemos.
  • Que são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos.
  • Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que o que estamos percebendo é a realidade.
  • Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo.
  • O que é a luz do Sol? A luz da verdade.
  • O que é o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade.
  • Qual o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A filosofia.

A metáfora de Platão define a realidade como sendo composta de dois domínios, os quais são o domínio das coisas sensíveis e o domínio das idéias. Para ele a maioria da humanidade vive na infeliz condição da ignorância, ou seja, vive no mundo ilusório das coisas sensíveis as quais são mutáveis, não são universais e nem necessárias e, por isso, não são objetos de conhecimento. Este mundo das idéias, percebido pela razão, está acima do sensível (dominado pela subjetividade) que só existe na medida em que participa do primeiro, sendo apenas sombra dele. Mais tarde Aristóteles criticaria Platão dizendo que ele não havia questionado o que é participar.

O filósofo é aquele que, através de um processo dialético, se liberta das correntes, saindo assim da ignorância para a opinião e, depois, para o conhecimento. Estabelece portanto, etapas bem definidas e dolorosas.

É importante ressaltar que o autor faz uma analogia entre aptidão para ver e aptidão para conhecer, exercício da visão e exercício da razão e entre faculdade da visão e faculdade da razão. Há aí, também, uma relação entre o mundo visível e o mundo inteligível, sendo como já foi dito, o primeiro uma sombra do segundo. Feito isto, pode-se afirmar que, durante a descrição do mito, as fases pelas quais a visão do sujeito passa são as fases pelas quais passa a razão.

A primeira etapa é chegar à opinião (doxa), ilustrada pela subida do fundo da caverna até às imagens exteriores, tentando superar a inércia da ignorância (agnosis). O sujeito é ofuscado pela luz da fogueira sendo esta (a luz) a representação da verdade a qual lhe causa dor aos olhos que representam o órgão do conhecimento. Neste primeiro instante, ele não consegue distinguir muito bem o que está a ver mas com persistência e olhar investigativo contempla as formas bem definidas dos objetos que geram as sombras do fundo da caverna. Então ele atinge o conhecimento (episteme). Mas a investigação não acaba por aí. A busca pelas idéias gerais, unas e imutáveis é ilustrada pela saída até à luz do Sol que simboliza o bem (alegoria do Sol) que está no topo da hierarquia das idéias universais das quais também fazem parte o belo e a justiça.

Estas etapas são representadas também por outra metáfora em que o sujeito olha primeiro para a sombra dos objetos, depois para a imagem deles refletida na água e, por último, para os próprios. Note-se aí, a passagem da ignorância para a opinião e depois para o conhecimento. Então ele passa a ser capaz de contemplar o que há no céu e o próprio céu à noite representando a contemplação das idéias imutáveis. Finalmente ele torna-se apto a olhar para o Sol e o seu brilho de dia ilustrando o descobrimento da idéia do bem.

Então Platão pergunta o que aconteceria a esse homem se ele descesse novamente à caverna e tentasse contar o que havia descoberto. Sua vista demoraria a acostumar-se às trevas novamente. Certamente ele seria ridicularizado, hostilizado e até morto pelos demais. Esta descida à caverna representa o dever do filósofo para com o Estado de compartilhar com os outros cidadãos o conhecimento a que chegou com o apoio deste Estado. Por mais que seja dolorosa esta atitude, para o homem sábio, de conviver com os demiurgos, o Estado deve preocupar-se com a felicidade de toda a cidade e não apenas de uma parte dela. Por isso o filósofo teria a função de orientador e educador nessa cidade, além da função de governante.

E porque a função de governante? Justamente por ele ter sido o único a ter contemplado o belo, o bem e o justo. E, por ter o conhecimento do que é a justiça, governaria melhor a cidade. Também por ser mais indiferente ao poder, não estaria brigando por ele contra rivais e não governaria por interesses próprios. Agiria de acordo com o que é justo. Platão imaginou um estado ideal que é sustentado no conceito de justiça.

Fonte: http://packman.wordpress.com/

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